Sunday, February 02, 2020

Introdução à direcção de actores -------------------- Eduardo Condorcet -------------------- Director: Nesta cena gostaria que pensasse o éter como uma metamorfose de nós mesmos, de todos nós. Queria que aplicasse algo vindo de Schopenhauer, mas não com o negativismo que geralmente atribuímos a Schopenhauer. Talvez um Heidegger diletante. Que passados exatamente três segundos e meio se voltasse para a câmara a vinte e três graus e que nesse momento tivesse a certeza quetem uma atitude desafiadora. O que acha? Actor: Vá-se lixar. O Director de actores é alguém que erra. Parte da intenção deste capítulo destina-se a evitar cometer novos erros ou insistir nos mesmos. Numa nota existencial diria que estamos desenhados para errar, mas podemos esperar, adaptando o adágio de Beckett: tentar, errar, tentar outra vez e, com alguma sorte(mas não nos esquecendo dos erros), acertar. É por isso que, se a segurança é um valor fundamental, ela é conquistada na tarimba do palco, no caos do décor. De preferência no palco, primeiro. Daí aconselhar vivamente os prospectivos directores de actores, a que experimentem primeiro o palco. De preferência em peças ‘redondas’, já de si fílmicas, provavelmente de três actos. Aquilo que está em teste é a direção de actores e os seus recursos. A direção de actores é tambémalgo pessoal. As opções que descrevo aqui parecem opções? Há uma razão para isso: é que são mesmo opções. Não vale a pena pensar que não o seriam. Este capítulo não tem tempo para isso. Por isso é necessário toma-lo em toda a sua relatividade. Não um manual, não um tomo teórico, mas sim um conjunto de opções a partirdas matérias que trabalhei, que me informaram e que, neste espaço restrito, podem tomar esta forma. Para diferentes abordagens teria, como qualquer criador, outras opções: mais racionais, mais apaixonadas, mais alucinadas. Estas são as opções que achei pertinentes para o espectro desta publicação. Devem ser tomadas apenas como isso. Neste sentido, não despeito de forma nenhuma abordagens como o neo-realismo ou Bresson. O mesmo se pode dizer em relação ao cuidado que se deve ter com não-actores. São aspectos sobre os quais, definitivamente, gostaria de me debruçar no futuro, mas que não fazem parte da presente publicação. Outro pequeno alerta vai no sentido de se aceitar o cariz sucinto deste capítulo. A este nível, espero que futuros desenvolvimentos e as possibilidade de comunicação digital apontadas possam servir para colmatar quaisquer elipses. Embora nada seja impossível, será contraproducente no contexto deste capítulo não pensar o cinema como algo narrativo. Estamos, por isso, no contexto específico do storytelling, da narrativa, portanto. Um dos contexto que abordarei e que convém desde já explicar é o de modulação. Encontramos a modulação em todas as fases narrativas. Defino a modulação como os diferentes movimentos que a história executa. No fundo tem tanto a ver com o guião, como com a direcção de actorese claro está coma ’entrega’, no sentido anglo-saxonico de delivery, que a história executa. O autor efectua a entrega de uma cena, no sentido em que nos mobilizamos para fazer actuar (enact), nos nossos processos mentais, a encenação cognitiva dessa entrega (reenactment). No seu trabalho conjunto, o director tenta junto (e) com o actor trazer essa abstracção à realidade. Nesse sentido, director e actor‘realizam’ a cena numa zona mista onde as artes se encontram. Director e actor escolhem, em conjunto, fazer com que a cena ganhe contornos, pulsões, variações de ritmo, entoações, etc. Essa é parte dessa modulação que podemos aproximar a uma sinfonia, aos seus andamentos e code. Importa desde já dizer também que actores e directores são criadorescolectivos. Como numa partida de futebol esperamos que cada elemento esteja lá treinado e pronto para jogar. Dirigir o actor é ser o treinador. O actor tem de saber muito bem o que tem de fazer e depois faze-lo. Custa-me acreditar que se pudesse dizer ao Cristiano Ronaldo (ou ao Messi, para ser democrático) como,passo a passo,deve jogar. Fora o resto, o jogo seria bastante aborrecido. Ainda neste sentido, importa também ter consciência do cariz intermediático do aparato cinematográfico. Por exemplo, a montagem tem uma capacidade maximizadora do poder do tempo. O actor pode (não necessariamente deve) saber das capacidades plásticas do tempo cinematográfico e o realizador deve saber como fazer uso dessa modalidade de tempo enquanto lida com o actor. É isto que permite ao actor ‘esquecer-se’ da rodagem e saber que, na verdade, a sua actividade pode ser contida, compartimentada, porque a história e os recursos fílmicos estão lá para sua defesa e ele pode ser um defesa, um libero ou um atacante porque tem a favor deleum informado e preparado treinador. O actor, depois do processo de casting, pode estar seguro que está onde está porque foi escolhido para o papel que desempenha. O papel em si e o seu papel enquanto actor profissional. E é esta segurança que o director deve dar. É aqui que se joga o make or break do rapport director/actor. Como dirá Michael Caine (1990), o actor deve saber que a câmara o ama e que é ao director que cabe a responsabilidade de saber transmitir ao actor esse amor. Parte deste texto foi feito com a ajuda, há dez anos atrás, dos meus alunos de Direcção de Actores da Escola de Artes da Universidade Católica Portuguesa. A grande parte do texto toma também inspiração em todos os actores com quem trabalhei (e que, claro está, são os melhores do mundo, do meu mundo pelo menos). Todo o desafio partiu da Dra. Carolin Overoff Ferreira, cujos insights pontuamdirecta e indirectamente este texto. Depois da necessidade de partir para outros mares a estafeta foi entregue à Dra. Guilhermina Castro, cujo pensamento tenho ainda a honra de presenciar esporadicamente, numa nota forte sobre a personagem que como verão permeia este texto. O corolário episódico desta temática, que pretendo desenvolver em termos mais amplos futuramente, foi culpa do enorme Director de Actores e Realizador que é o Jorge Paixão da Costa, com cúmplices que considero dos maiores nomes da actuação(também) realista em Portugal, os actores Bruno Schiappa e Adriano Carvalho. O que se espera de um director Não seria esperado que contasse histórias de guerra. Os poucos exemplos que dou são por um lado prova de vida (e espero ainda estar vivo por altura desta publicação) e também de um pouco de ‘traquejo’, neste caso mínimo, da experiência de palco e de fora do ecrã. Comecei por evocar o erro e muitas vezes errei por certo, menos vezes os actores erraram por mim. E é uma relação difícil em que, embora por vezes as necessidades dramáticas exijam o contrário, deve ser sobretudo uma relação justa, leal, cordial e, acima de tudo, de respeito mútuo. Todo o director que não queira ser um ditador deve apetrechar-se de uma boa, robusta e larga mochila, porque é sua obrigação ter ‘saco’ para muita coisa e não interessa o que se passe.Tem a responsabilidade de levar a bom moinho uma performance, com todas as contingências técnicas, logísticas, espirituais e humanas que sãoda responsabilidade dela ou dele. Darious Britt afirma que não existe uma fórmula e que cada actor é diferente tal como cada director é diferente, mas há coisas que são aceites como boas práticas (Britt, 2014). Para Abbie Cornish, pede-se, acima de tudo, colaboração. Para que seja capaz de ter discussões abertas e que o actorpossa ser capaz de colocar opiniões em cima da mesa sem ser julgado. Que o actor se possa sentir protegido como num casulo(Mabey, 2011). De alguma forma, e talvez por isso, Bruno Schiappa, em entrevista ao autor deste artigo, chama-nos a atenção para que o director não pode ignorar as fragilidades do actor. Deve saber ponderar essas fragilidades e inseguranças, em última análise em benefício de ambos, director e actor. Se, como alerta Schiappa, o director se limitar a vociferar ordens, não deverá estranhar que a actuação não esteja à altura das expectativas(Condorcet, 2016). Cornish continua, afirmando que “Quando se começa(Sem vírgula)a criar com alguém, começa-se um processo de fluxo muito mais livre que pode ser incentivado. Quanto mais fluido possa ser, melhor”(Mabey, 2011).É também por isso que Adriano Carvalho aponta que o actor “tem de ter uma grande capacidade de escuta e de leitura para não tentar impor a sua vontade individual, mas sim entender as dificuldade que possam existir e potenciar o executante que está ali em palco ou em cena”(Condorcet, 2016).Nesse sentido,Keira Knightley pede que se respeite todos em todas as partes da equipe, de uma forma completamente criativa e colaborativa.O actor deve ter a segurança, dada pelo director, de queo actor é a melhor pessoa para o trabalho e que, por isso, confia nele (Mabey, 2011). Devemos levar o actor a alcançar o seu objectivo e não pensar sobre o que outros estão a pensar, no momento da rodagem. Leva algum tempo a firmar as relações necessárias e é bom que os actores saibam como o director se sente e como eles se sentem sobre as coisas. Que saibam que eles estão a fazer um bom trabalho e que sobretudo que o director se importa. Que exista, portanto, este canal de honestidade. Vários directores poderão falar sobre como aqui ou acolá mentiram aos actores (não estou isento desse pecadilho). Mas convém o atual director de actores ter em conta, especialmente com actores experimentados, que eles têm ‘A escola toda’, que mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo e que é arriscado colocar a relação em causa demasiado cedo. Paul Giamatti afirma, neste sentido: “Você quer que alguém gosta de si como um actor. Quer alguém vai ser honesto consigo. Você quer ter alguém que vai confiar em si(retiro‘você’). E isso é algo que é realmente difícil se (Adiciono ‘se)pedir” (Mabey, 2011). Viggo Mortensenprivilegia diretores que sejam capazes de transmitir ideias complexas de uma maneira fácil e compreensível, mas estando atento às nuances. O mesmo é dito por Lawrence Fishburne, quando afirma que é óptimo quando o director sabe o que quer, mas ainda melhor quando é capaz de o comunicar (Mabey, 2011). James D'Arcy não deixa de requerer a literacia do director, que o obriga a fazer pesquisa, naturalmente, e sobretudo a estar preparado. Este é um dos factores que traz segurança ao actor e é isto que Merryl Streep pede: clareza e segurança. Rebecca Hall volta a enfatizar estes factores quando diz que o que se pede de um director é clareza e visão, liberdade. Não alguém que seja prescritivo, mas sim alguém quepretende conhecer bem o actor e que vai ser capaz de descrever o que o actor precisa(Mabey, 2011). É uma forma clara de dizer algo que produz uma resposta criativa. Natalie Portman pensa que o actor desejaa participação emocional completa do realizador, porque o público experiencia um filme através dos olhos dela ou dele(Mabey, 2011).Paixão da Costa diz a este propósito que “Os actores são seres vivos, não são as marionetes do Craig”(Condorcet, 2016),e também por isso Elena Anaya afirma que o que procura num director é sua paixão. Paixão pelo que faz, porque quando isso acontece, o director dá muito de si. Anaya complementa dizendo que os actores, às vezes,sentem-se um pouco solitários. É nestas alturas que o acompanhamento do director se revela tão importante. A este propósito apropriar-me-ia de um conceito que tomo por empréstimo: o conceito de entusiasmo.Entusiasmo (do Grego en + theos, literalmente 'em Deus') originalmente significava inspiração ou possessão por uma entidade divina. Será sempre arriscado entrarmos em campos que podem ser supersticiosos, mas faz parte também do trabalho com o actor esta noção de carisma, que também o pode guiar(Hill, 2000). Também, porventura inspirada neste conceito, Noomi Rapace chama-nos a atenção para uma noção singular: a decoragem. Ela afirma, “Eu adoro quando alguém diz que querfazer a mesma viagem que eu. É fascinante quando alguém quer descobrir a verdade dentro de mim e não quando alguém diz:‘Eu sei o que é a que a verdade’ (…), isso não é trabalhar em conjunto”.Lembro-me muitas vezes de uma das expressões favoritas de João Mota, quando era seu aluno e depois actor: “Tem de ter a coragem de…”. Também o director tem de ter coragem, de alguma forma, de dar o peito às balas, não a bravata de ser presunçoso. A isto, é claro, temos de adicionar o bom gosto de não criar coisas estéreis e superficiais, mas sim, como diria Schiappa, coisas que façam sentido sob o ponto de vista estético e, acrescentaria, narrativo. Também William Dafoe parece sentir-se atraído por esta ideia de risco quando diz: “Gosto de fazer algo que não é meu. Eu gosto de um director forte. Eu gosto de uma direcção pessoal. Existem diferentes diretores, alguns diretores querem lutar consigo, outros diretores querem que seja passivo (…),eu gosto diretores loucos. Eu gosto de circunstâncias extraordinárias. Eu gosto de coisas extraordinárias que exigiam de mim”(Mabey, 2011). No entanto não se deve dar azo a demasiada complicação no set. “Mantenha-o curto e doce”, como diz Britt. Não mais do que uma ou duas frases(Britt, 2014). Não pedir do acting, como diz Morgan Freeman, mais do que uma ou duas coisas para trabalhar. Freeman diz:“Eu gosto de Clint Eastwood. Eu gosto de diretores que trabalham rápido, eficaz. Que não percam tempo nem desperdicem energia”(Mabey, 2011).Talvezimbuído deste espírito, Paixão da Costa diz que não dá poder aos actores, dá-lhes liberdade. A eficácia, depois disto, faz parte em grande medida do poder de síntese do director(Condorcet, 2016). Para além disto tanto Britt como Michael Caine apontam para que o director se certifique quea linha de visão do actor se mantenha limpa.O actor estará na maior parte do caso a realizar uma tarefa árdua que exige toda a sua atenção. Não podemos por isso deixar que a equipa e o seu funcionamento distraiam o actor(Caine, 1990). Britt aconselha, para além disto, que não se fale da personagem no set. Isto deve ser reservado para os ensaios ou para momentos de guarda roupa, algo que é secundado por Paixão da Costa(Condorcet, 2016).O tempo é o nosso bem mais precioso.Na altura de rodar,é preferível não falar sobre o passado ou sobre a motivação das personagens(Britt, 2014). Mais à frente falaremos mais disto, mas é desaconselhável ensaiar sem planos e objectivos em mente, ou o elenco vai sentir isso e, se sentirem que seu tempo está a ser desperdiçado, não vão ficar felizes... Durante os trabalhos preparatóriosé bom decidir quais as cenas que são fundamentais, e usar a habilidade crescente do ensemble, do elenco, para se concentrar em áreas problemáticas e descobrir soluções. Os atores podem assim, em conjunto com o director, aprofundar o sentido, o desenvolvimento de percepções que correm para a frente e para trás entre as personagens, e criar ligações e ressonâncias com diversas partes do guião, o que é altamente produtivo. Este tipo de segurança poderá também potenciar as possibilidades de improvisação a que nos referiremos mais adiante. A este propósitoPaixão da Costa diz:“Utilizo o dia das provas de roupa, de maquilhagem e de luz para ensaiar. Normalmente não tenho tempo para mais. Quando vejo que tenho um ou dois dias, ensaio as cenas que acho que vão ser mais complicadas, cenas emotivas mais fortes e aí discuto muito com os actores, falamos como eles se sentem, porque no dia de rodagem… as minhas rodagens são mesmo leves. Os meus plateaus parecem um Playground. A preparação está feita, quando digo ‘vamos filmar’ é só o moment before, como a Ivana Chubbuck.Não é dar tempo ao actor para se meter na personagem. É dar tempo à personagem para se meter naquela situação”(Condorcet, 2016). Mas isto não significa não ensaiar de todo. Significa não ensaiar na rodagem, visto que se não existir ensaio, como diz Holmes, “Não teremos uma linguagem comum, nenhum sentido sobre o que dizer e não dizer, nem como motivar e criticar de forma construtiva”(Holmes, 2014). É neste sentido que as ferramentas são necessárias, como diz Adriano Carvalho: “as ferramentas só servem para servir o actor, para servir a personagem ou o filme, servir o encenador ou o realizador e em última análise o autor (…), o autor é um auxiliar de um contador de histórias e é nesse sentido que precisa de alguém que o possa ajudar a potenciar a personagem”. Carvalho adianta ainda que o director de actores tem de entender que o actor é um mundo e que todos esses mundos são diferentes. Que aquilo que funciona para um actor não funcionará para todos. O que nos leva sempre à questão de que tem de haver uma linguagem partilhada entre os vários actores (e mesmo a equipa), mas também entre o actor e o director de actores como entes individuais(Condorcet, 2016). Num sentido complementar, Schiappa afirma que o actor tem de saber responder ao que lhe é pedido, mas terá de ter o seu espaço e tempo para chegar a resultados e que, então, esses resultados sejam artísticos(Condorcet, 2016). Personagem, objectivos e análise do texto É altamente desaconselhável partir para uma rodagem ‘a seco’, quer dizer, sem ensaios prévios e sem algum ‘trabalho de mesa’. O que é o trabalho de mesa? É aquele período de tempo que o director e os actores devem reservar para a análise dramatúrgica, normalmente passado à mesa, mesmo que a dita mesa sirva também propósitos comensais, tabágicos ou que, em rigor, não seja uma mesa de todo. Weston afirma que “As perguntas levam à pesquisa!”(Weston,1996:164-233). Antes de ler o texto (principalmente guiões), devem-se tirar ou marcar as didascálias (também conhecidas como indicações de cena). O esforço de depuração a que isto obriga faz com que a entoação da cena não seja, à partida, ‘poluída’ por suposições do actor que podem acabar por ficar marcadas e serem difíceis de retirar à posteriori. Da mesma forma, devem ser retirados adjetivos, advérbios, indicações de transições, explicações psicológicas, ou mapas emocionais. Tudo, portanto que não possa ser actuado (Weston, idem). As perguntas levam à pesquisa! Naturalmente o texto é uma fonteprimordial de significados possíveis (Weston,1996:163-233). É através do texto que podemos decifrar e traduzir em acção a performance dos actores. É mais um elemento em que o director se torna num elemento congregador de significado. Mas, como nos diz John Hess, essa operação pode passar também pelo que é dito e em última análise (mas só pontualmente) pelo que não é mostrado. Pelo subtexto, portanto(Hess, 2016). Feito este trabalho (ver Weston para uma descrição mais elaborada), o trabalho de encenação pode começar. Dentro do processo existem questões dramatúrgicas ‘à mesa’ que podem ser efectuadas antes, depois ou durante a encenação propriamente dita.Conforme as opções, poderão já incluir o blocking, ou seja, aquela fase na encenação do colocar em cena (mise-em-scène) no qual se vão definido gestos, intenções, entoações, movimentações, etc. Durante este processo, que como dito pode ser efectuado a diversos tempos, encontramos a definição de objectivos. Um objectivo deve envolver outras personagens, criar os seus próprios obstáculos, e o ator deve ser capaz de encontrar uma relação com o mesmo.(cortar ele ) Este pode ter a forma de um obstáculo, do problema, do que está at stake, e não tem que ter uma relação com uma personagem, mas pode ser uma imagem ou umamemória, uma pessoa não presente ou um objeto(Weston, idem). É necessário também determinar os super-objectivos possíveis (tudo o que uma personagem nesta situação da sua vida poderia querer obter da própria vida), vendo depois novamente os eventos do texto e começando a tirar os possíveis objectivos. Este objectivo pode ser definido através de um verbo (por exemplo: "vingar-se", "encontrar amor", etc.), mas também uma metáfora, um ajustamento, umaimagem, uma intenção(Weston, idem). Qualquer acção levada à prática (como poderia ser de outra forma?) transporta o processo de vai e vem a que já me referi, mas também uma definição constante da personagem que pode perdurar até durante a rodagem. Como tentarei repetir, personagem (da escrita), Personagem (criação do actor) e personagem (trabalho do director com o actor a partir da escrita) estão profundamente interligados. Faz parte de uma pesquisa que deve ela também ser feita a dois (três, quatro, etc.), encontrando as opções em relação à personagem. Ball (1984) faz uma descrição minuciosa que tomo a liberdade de replicar. Em relação à personagem, procuramos: a aparência; movimentos; cheiro; nacionalidade; hábitos; memórias; riso; fracassos; sonhos; gestos nervosos; sorriso; maneirismos; saúde; solidão; idade; medos; fraquezas; biografia; necessidades; experiências; desejos; roupa; ordenado; signo de nascimento; percepções; nome ; profissão; hobbies; status social; política; realizações; atitude para com a morte; a família; amigos; religião; paixões; intelecto; educação; linguagem voz ; postura; peso; pontos fortes ; dieta; objectivos; nível de energia; gostos e desgostos; sexualidade; sentido de humor; temperamento ; orgulho ou falta dele; moralidade; autoconfiança; amor (Ball, 1984:71). Veremos adiante como a tecnologia é formadora dos ‘blocos’ de sentido criados pelo cinema e que têm tradução na montagem. Trata-se deuma personagem que, com maior ou menor consciência do actor, está a ser formada nesta altura. A questão da construção da personagem torna-se, por isso,premente e particular no cinema. Num sentido pragmático,Jorge Paixão da Costa leva-nos para uma dimensão algo nova quando afirma:“Até há pouco tempo eu tinha uma preocupação com a direção de actores. Hoje a minha preocupação é com a direcção de personagens”(Condorcet, 2016). Esta direcção, no entanto, é feita bloco a bloco, em subunidades significantes, para usar as definições de Stanislavski (González et al., 2012). É porventura útil nesta altura sabermos um pouco mais acerca dos conceitos chave de Stanislavski que acabaram por dar origem ao Method Acting, um método que influenciou criadores e formadores como a minha professora Martia Haufrecht, mas também figuras como Lee Strasberg, Paul Newman, Al Pacino, Dustin Hoffman, James Dean, Marilyn Monroe, Jane Fonda, Jack Nicholson e tantos outros. Um dos conceitos mais importantes é o de Espinha Dorsal que normalmente não muda durante um texto, mesmo que a personagem passe por uma transformação. É o super-objectivo ou a "redline", a necessidade central ou motivação mestra da vida. É o que faz a pessoa colocar-se em movimento. Cada personagem deve ter um super-objectivodurante o filme (Weston, idem). À medida que vamos desenvolvendo a acção descobrimos que, como nos diz Hess, que a acção pode ser dividida em subunidades até ao quase infinitamente pequeno: por exemplo, a mínima variação na direcção do olhar de que nos fala Caine (Caine, 1990; Hess, 2016). Mas por falar em Caine, vamos dividir os aspectos da actuação na prática, até aos elementos mais ínfimos que a constituem. 80% Menos – Actuação II Já antes mencionei a resposta dada por um aluno Inglês sobre o que fazia um actor. (“Ele actua”, foi a resposta dada). Falemos então acerca da acção. A Bíblia diz-nos:"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele" (João 1:1-3). Goethe acaba por se tornar mais concreto quando afirma que “No princípio era a ação”,algo que é secundado por Freud. Mas o propósito deste texto não é gnóstico, exegético nem hermenêutico. Se tanto, ou brevemente,metonímico. Recupero a pequena paródia(e os casos para paródia existem, sabemos que existem...)feita no início deste capítulo, versando um possível enquadramento teórico da acção. Gostaria, por oposição, de sublinhar o cariz fundamentalmente accional do que, me parece, deve ser a prática no cinema. Depois de alguma discussão a ser feita no período de ensaios (e não na rodagem), existe a necessidade de se procurarem verbos de acção. E as acções em causa devem ser básicas e tangíveis. Estes verbos de acção devem ser básicos: Entra, Salta, Fecha os olhos, Passa, Corre, Vira, Agacha, Tira, etc. Mas isto significa que a personagem não reflecte? Não, a personagem reflecte de facto, mas fá-lo através das acções. É certo que o actor observa, observar é um verbo muito activo. E o que é que a personagem observa? Devemosobservar a pessoa, a personagem, de forma metódica e analítica. Quando o fazemos completamente, o actor assume a pele, os contornos e a personalidade da personagem - ou seja, em termos que livremente adaptaria de Jorge Paixão da Costa, o actor transforma-se na personagem (Ball, 1984: 70; Condorcet, 2016). Voltemos a Stanislavski e ao super-objectivo. A linha, às vezes também chamada de coluna, foi sugerida pela primeira vez pelo teórico e director russo como uma forma simplificada de se pensar sobre caracterização. Stanislavski acreditava que os actores deveriam não só entender o que a sua personagem estava a fazer(ou a tentar) nosub-objectivo, mas também entender a linha mestraque ligava esses objectivos no seuconjunto e aforma como esse ímpeto empurraa personagem para a frente através da narrativa (Sellars, 2012). Tanto Schiappa como Carvalho referem-se ao método como algo que foi atribuído a Strasberg, mas não criado por ele. A atenção na distinção entre Naturalismo e Realismo, feita por Carvalho, dá ainda conta de uma diferença entre um ‘método’ stanislavskiano,cuja ‘construção’ o torna na verdade algo, pelo menos, plástico, e o ‘realismo’ da actuação contemporânea, que vive de um cariz mais i-mediatizado da actuação(Condorcet, 2016). Seja numa perspectiva mais plástica e teatral ou numa perspectiva mais realista e cinematográfica(e com todas as reservas necessárias a qualquer uma destas abordagens), o ‘método’ aparece-nos como uma forma de gestão, (macro ou micro) de objectivos. O objectivo é uma meta que um personagem quer alcançar. Isso é muitas vezes formulado na forma de pergunta como "O que eu quero?". Um objectivo deve ser orientado para a acção, em oposição a uma meta interna, para incentivar a interação do personagem no palco ou no monitor. A (não O) personagem não tem necessariamente de atingir o objectivo eestepode ser tão simples quanto o guião o permita. Por exemplo, um objectivo para um determinado personagem pode simplesmente ser 'derramar uma caneca de chá’. Para cada cena, o ator deve descobrir o objectivo do personagem. Cada objectivo é diferente para cada agente envolvido(Sellars, 2012). Uma pequena nota anedótica. Aparentemente durante uma das visitas de Stanislavski aos EUA, ele terá mencionado a palavra “bit” (bocado) referindo-se às subunidades dramáticas. Os americanos tomaram à letra o forte sotaque russo de Stanislavski e interpretaram a palavra como “beat”, o que deu origem à confusão que ainda hoje prevalece entre subunidade dramática e ritmo. Unidades e bits são a divisão do script em objectivos menores. Por exemplo, toda a secção de uma cena em queapersonagemprepara um saco de chá seria uma unidade. Quando ela decide chamar um vizinho temos um novoobjectivo. O objectivo das unidades é serem usados ​​como pontos de referência para o actor, porque cada unidade individual deve conter um motivo específico para a personagem(Sellars, 2012). Um super-objectivo, em contraste, concentra-se no todo. O jogo / cena como um todo. Um super-objectivo pode direcionar a escolha, por parte do actor, de objectivos de cena para cena. O super-objectivo serve como o objectivo final que um personagem deseja alcançar dentro do script. Os obstáculos são os aspectos que podem parar, impedir ou pausar um personagem no alcançar de um objectivo individual. Por exemplo, a personagem, na situação mencionada, pode descobrir que não há sacos de chá (Sellars, 2012). Weston chama-nos ainda a atenção para que cada cena tem um acontecimento emocional central, alguma coisa que acontece entre os personagens que estão a actuar. Uma forma de identificar os momentos é dividi-los em "ritmos" ou beats(Weston,1996:163-233). Já vimos antes a origem da confusão entre ritmos e sub-unidades que largamente ainda prevalece, mas, for the sake of the argumente para garantir alguma clareza, vamos assumir a versão americana. A maneira mais simples de identificar os ‘ritmos’ é através dos temas: quando o tema muda o ritmo muda. Isto é uma forma objetiva de os determinar. Procura-se encontrar uma estrutura emocional fluida e não fazer um mapa emocional(Weston, idem). O ‘Mapa Emocional’ é uma forma de actuar virada para os objectivos artificiais da cena, para os resultados erroneamente pretendidos pelo director e/ou actor e não para o fluxo do acting, que deveria ser a prioridade. É por isso que há que identificar cada mudança de ritmo (Weston, idem) ANTES do momento da rodagem, quando tudo deve já estar preparado de forma a fluir. Como nos lembra Hess, existe também uma questão de troca de energia. Este tema arrisca-se a parecer exotérico, e é certamente merecedor de mais elaboração,que conto que venha a ser possível, adiante, num futuro próximo. Para já, diria que tem também a haver com o processo de dar e receber entre actor e director de que nos fala Adriano Carvalho. O actor, defende Carvalho, está a executar um jogo (como no futebol), uma partitura que “ainda por cima não é matemático e é nessa altura que existe o treinador para te colocar no caminho certo”(Condorcet, 2016). É também nesse sentido de uma participação que Schiappa afirma que “O director de actores sugere estímulos, sugere ferramentas, sugere” (ponto não muito final acrescentado).(Condorcet, 2016). Em todo este processo, nunca será demais repetir que o actor deve sentir confiança no que está a fazer. Epara que essa confiança funcione, o director deve garantir que todos os aspectos do storytelling, incluindo os técnicos, estão a ser monitorizados. Para ser-se natural na câmara é necessário acreditar em tudo o que já está a funcionar, acreditar que a história já está a funcionar por si, que só estar lá já é suficiente e não insistir que a história seja toda visível de uma só vez. Como vemos em Schiappa, é necessária uma certa dose de aceitação,de auto-aceitação(Condorcet, 2016).Martia Haufrecht várias vezes nos repetia que o actor nunca deve fazer mais esforço do que o que a acção exige. Não se deve fazer as coisas em overdrive. Relaxamento é como vimos, fulcral. Acting is behaviour, mas também, como salienta Bruno Schiappa, pode passar pela memória, por um reviver de um momento passado(Condorcet, 2016). As memórias afectivas desempenham aqui um papel crucial, mencionado por autores como Weston (1996), Strasberg(1988), Adler(2000), Chubbuck(2004) ou Meisner(1987). Numa nota caucionária, no entanto, Paixão da Costa diz: “Como é que eu comecei a dirigirpersonagens? Foi com um tipo chamado Mark Travis (…). Não tem nada a haver com a Ivana Chubbuck,nem com o Meisner, nem com o Strasberg,” autores que bebem de Stanislavski.Continua, Paixão da Costa, “(Tu envolves o actor na personagem, ele torna-se a personagem) quando te envolves com o actor é uma dinâmica completamente diferente. Reparei nisso quando trabalhei com actores com quem já tinha trabalhado, reparei que a nossa forma de trabalhar alterou-se e possodizer-te que os resultados são muito melhores”(Condorcet, 2016).(Alguma edição adicional feita, mánter assim) É essa dinâmica que convém promover e não a actuação por resultados que acontece quando tentamos controlar demasiado a performance e quando não compreendemos a sua complexidade. Num sentido próximo, Martia Haufrecht falou-menotermo ´Jump ahead of the gun’, que acontece quando um actor, não concentrado na situação mas nos resultados, salta antes que o disparo da arma seja efectuado. O actor neste caso está mais concentrado na deixa do que na situação, cabendo ao director orienta-lo no sentido correcto. O comportamento realista é complexo. O processo de definir escolhas e objectivos passa por saber como vemos outras pessoas, o que queremos, como vamos consegui-lo, quais são as motivações das outras pessoas, como contornar obstáculos, o que vai acontecer a seguir, como nos vemos a nós próprios. Na actuação por resultados colocamos uma cara, uma máscara, uma persona, que é diferente daquilo que somos. O comportamento é realista PORQUE é COMPLEXO(Holmes, 2014). A actuação por resultados significa atalhar todo esse processo para tentar chegar rapidamente ao resultado final que é ‘parecermos felizes ou tristes’. Ou seja, uma máscara dos sentimentos em vez de comportamento real(Holmes, 2014).A isto chama-se, como Martia Haufrechtfrequentemente nos referia, ‘Indicar’.Mostrar o resultado sem estar em contacto com o processo cognitivo que levaria a esse resultado(Holmes, 2014). A questão é que grande parte da actuação acontece quando recriamos todo o processo cognitivo, incluindo as sensações, naturalmente. Haufrecht, vinda da tradição do Method acting, foi sempre particularmente cuidadosa em relação a isto, partindo em primeiro lugar das coisas que pedia para os actores sentirem, lembrarem-se e agirem. Uma actriz com laivos de cinismo disse-me que isso era fazer mímica; bom, se o era para ela, então de facto o casting foi um erro e estava a milhas de perceber o tipo de coisas a que eu estava a apelar. Mais provavelmente esta seria uma visão simplista da minha parte e nunca deveria ter apelado a algo que, não compreendendo ou não aceitando, a actriz não poderia desenvolver. Neste caso até estávamos em contexto de ensaios mas, se estivermos em contexto de rodagem, nada desse processo pode acontecer. Um dos maiores pecados é dizer às pessoas como se devem sentir. Simon Philips, o meu professor de realização na Northern Film School, sublinhava este aspecto (também mencionado por Holmes) de que you can’t do a feeling. Os sentimentos sãosobretudo internos, e é nesse sentido e a partir do actor que devem ser trabalhados. Por outro lado, os sentimentos não produzem comportamentos por si próprios. Os sentimentos tornam-se visíveis quando os utilizamos em algo que fazemos. Por vezes até pelo estrito facto de estarmos a fazer algo que não queremos, é dessa contradição que nasce o sentimento(Holmes, 2014). O processo não deve ser contraditório em relação ao que antes falei sobre sentir. O actor prepara e trabalha os sentimentos de que vai necessitar, no seu reportório, em conjunto com o diretor, na altura de preparação para o papel. O director deve ser particularmente cuidadoso em relação a não discutir o que o actor deve sentir neste processo, mas apenas, por processos de aproximação e comparação, suscitar o as if stanislavskiano. Quando vive o papel, o actor deixa de pensar nele. Age, actua. O realismo surge disto e surge também desta transformação/transferência que faz com que o actor não tente ‘mostrar’ os sentimentos, mas somente vivê-los. Na generalidade dos casos, as pessoas tentam nãomostrar os sentimentos(pelo contrário, escondem-nos), o que paradoxalmente exibe mais sentimentos do que se fossemos realmente assertivos. O director deve aprender a transformar o ímpeto que o actor tem de querer mostrar sentimentos e orientá-lo para a vivência dos sentimentos através da acção. Como já referimos,Weston sugere que se deve evitar a criação demapas emocionais,para aquele ponto onde queremos que o actor chegue. Para isso é necessário criar as condições para que os sentimentos aconteçam. E para isto é necessário criar um ‘plano horário’ para as fases, passos, momentos que queremos que o actor atravesse. Não muito dissimilar dos sub-objectivos ou mesmo dos micro-objectivos de Stansilavski, são essas passagens emocionais que nos fornecem os momentos de que necessitamos e que, afinal, podem mesmo resultar em planos visuais cinematográficos distintos. Escusado será dizer que este processo deve ser fluido e pertencer, no essencial, à acção da cena que pretendemos obter. Caso contrário corremos o risco de estarmos a criar formas de fotogramas (stills) emocionais. É isto, aliás, que faz com que certas cenas não ‘colem’, especialmente se existir um espaço de tempo demasiado longo entre a filmagem dos vários planos. Outro problema de um ‘horário forçado’ (ver Holmes, 2014), que de certomodo já abordámos, é que o actor já sabe que é esperado que a certa altura tenha de efectuar uma acção. Esta antecipação retira o actor do ‘aqui e agora’ necessário. Este ‘aqui e agora’ é o que provoca a acção e a naturalidade da acção. Convém o actor não querer saber disso. Em última análise, se não estivermos a mexer em Shakespeare, o que importa se o actor inventou ou modificou uma linha? Claro que há casos como o do recentemente falecido Nicolau Breyner, cuja dificuldade, conta-se, estava em dizer quase qualquer linha das que tinham sido, de facto, escritas. Isto, obviamente, pode provocar problemas de continuidade. Mas Nicolau Breyner era Nicolau Breyner... É também importante, neste sentido, não deixar que a cena tome um ritmo previsível, pois pode correr o risco de esmorecer. Aqui a improvisação pode ter uma palavra a dizer. E fazemos entrar de novo o Nicolau Breyner, agora no manancial produtivo que fornecia aos diretores. Algumas estratégias podem potenciar isto. Em “667, Vizinho da Besta” pedi ao Fernando Moreira que a sua personagem, já tresloucada, beijasse na boca a sua conservadora mulher, sem que a atriz Ana Vitorino soubesse que tinha sido essa indicação que tinha dado ao Fernando. O efeito foi imediatamente intenso, mas difícil de replicar nos retakes. A direcção tem também de ser fluida para permitir ao actor viver as indicações que lhe damos. Se necessitamos de uma pausa podemos, por exemplo, sugerir que a personagem não está segura do que vai dizer e que por isso hesita em falar. Isto se existir cobertura suficiente da cena e, em caso de necessidade, possamos (cortar podermos) usar a montagem para elipsar as pausas. Num exemplo oposto, no filme “Verdade ou Consequência” (“Flaschendrehen”), literalmente repeti a mesma frase em vários takes para criar mais intensidade. A mesma preocupação deve estar presente no que toca à atitude que queremos que a pessoa tenha. Se pretendemos ‘que estejas apreensiva em relação a ele’, estamos a apostar em algo estático. A actriz ou actor arrisca-se a manter a mesma atitude durante a cena. É isso que vemos nas piores telenovelas em que, não havendo tempo para elaboração, vemos as personagens a manterem o mesmo tipo de atitude sem modulação. Uma melhor direcção, aproveitando o exemplo de Holmes, seria dizer “Saber que o teu marido é ciumento. Que vai saber se falares com um amigo teu. Por isso escondes que não podes aceitar o seu convite para almoçar. É por isso que, face ao convite, não sabes o que fazer” (baseado em Holmes). No mesmo sentido, pedir ao actor para ‘ser’ alguma coisa leva à mesma imobilidade emocional. Ninguém ‘é’. As pessoas ‘fazem’, agem’. Não ‘somos’ arrogantes, ‘fazemos’ coisas que levam outros a acharem que somos arrogantes.Os julgamentos denotam esta mesma imobilidade. Como podemos esperar que o actor interprete que ser ‘um completo idiota’ signifique para elea mesma coisa que nós concebemos? Pior, ao seguir este tipo de julgamentos arriscamo-nos a que o actor confunda as emoções, que se enamore ou deteste (ou seja o que for) a personagem (Holmes, 2014). Pior, arriscamo-nos a que essa transferência o afecte pessoalmente, sobretudo se tiver pouca experiência. Os julgamentos não são um comportamento, são uma descrição e as descrições não ‘são’. Colocam a personagem num outro que não é ela mesma(Holmes, 2014). Um outro visto de fora. Se queremos que o actor seja bondoso ou malévolo temos de encontrar forma de traduzir o comportamento da maldade em opções e comportamentos. Muito provavelmente, momento a momento mais do que cena a cena, e muito menos no filme como um todo. Mais arriscado, mas mais produtivo, o actor deve procurar e escolher acertadamente esses comportamentos em si próprio, como sugere Schiappa. O trabalho do director passa, aqui, por ir conhecendo o actor, partindo do princípio que este conhece profundamente a personagem. É essa persona múltipla - Autor-Personagem-Actor-Personagem-Director - que temos de conhecer. E, em todos estes vectores, a personagem tem de querer prevalecer, ganhar. Mesmo a personagem mais aborrecida só quer que não a aborreçam. Para Holmes, como para Caine, Behaviour is small. Nas situações mais complexas, o que vem à tona são pequenos pedaços de comportamento complexo que nos contam a história de como a personagem se sente. Em termos práticos, seria impossível fazer isto de propósito, replicando este passo a passo em unidades estanques (Holmes, 2014; Caine, 1990).Daí que, se é certo que podemos, como em Stanislavsi, subdividir as unidades dramáticas, não podemos não querer que o actor o tome como material fluido se não encontrar razão para tal. Considerações de estéticas fílmicas à parte, sem material fluido na cena qualquer tentativa de subtileza será desajeitada, interrompida, denunciada e demasiado presente. O que nos devolve a Stanislavki e ao seu apelo para ‘cortar’ 80% da performance do actor. Posta restante Deixo aqui a posta restante, ou seja, o material mais relevante que não houve tempo de referir nesta publicação (que na versão não editada já ia com o dobro do requerido). São pequenas pontas que o prospectivo diretor /investigador poderá pegar, provisoriamente, e que esperam desenvolvimento da minha parte. Incluem:Especificidade; Ideias activas e Energia; Imaginação/Improvisação; Experiência imediata; Tecnologia e o aparato do cinema na direcção de actores; Casting. Alguns destes temas foram já abordados pelos autores citados e por mim. Vale bem a pena uma mirada preparatória a estas referências um bom tempo antes do começo de produção do próximo projecto. Uma breve conclusão Se há algo que posso dizer, é que não há conclusão. Novas necessidades levarão a novos desafios por parte do director de actores: novos projectos, novas abordagens e novos estilos em desafios ainda mais exigentes. ‘No rest for the wicked’, como diz o aforismo anglo-saxónico. Fica apenas a promessa de que nos voltaremos a encontrar de forma mais aprofundada nesta procura constante de desenvolvimento da direção de actores. Referências · Adler, S.(2000)Art of Acting. Applause Theatre & Cinema Books; First Edition edition. · Ball, W. (1984).A Sense of Direction: Some Observations on the Art of Directing. New York: Drama Book Publishers. · Britt, D. (2014). "Directing Actors on Set". Acesso em 10/06/2016 de:. · Caine, M. (1990).Acting in Film : An Actor's Take on Movie Making. The Applause Acting Series. New York, NY: Applause Theatre Book Publishers. · Chubbuck, I.(2004).The Power of the Actor : The Chubbuck Technique. New York: Gotham Books. · Condorcet, E. (2000). Flaschendrehen. Germany. · Condorcet, E. (2008). 667, o Vizinho da Besta. Portugal · Condorcet, E; Carvalho, A; Costa, J. P.; Schiappa; B (2016) Introdução À Direcção De Actores. (entrevista) · González. B, et al. (2012)."Ingreso Y Aplicación Del Sistema De Stanislavski En Las Escuelas De Teatro Universitarias Creadas Por El Teatro Experimental De La Universidad De Chile Y El Teatro De Ensayo De La Universidad Católica." Universidad de Valparaíso, Chile. · Hess, J. (2016). Acesso em 03/06/2006 de:. · Hill, N. (2000).The Law of Success in Sixteen Lessons : Teaching, for the First Time in the History of the World, the True Philosophy Upon Which All Personal Success Is Built. Facsimile ed. 2 vols. No. Hollywood, Calf.: Wilshire Book Co. · Holmes, P. (2014). Directing Actors. · Mabey, S. (2011). "What Do You Want from a Director? ". Acesso em 08/06/2016 de:. · Meisner, S. et al. (1987).Sanford Meisner on Acting. 1st ed. New York: Vintage Books. · Sellars, R.(2012). "Getting Better as a Director: Learning How to Talk to Actors". Acesso em 01/06/2016 de:. · Strasberg, L, et al. (1988).A Dream of Passion : The Development of the Method. London: Bloomsbury · Weston, J. (1996).Directing Actors: Creating Memorable Performances for Film and Television. Studio City, CA: M. Wiese Productions. Publish

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